Fetiesc

Terceirizar serviços é flexibilizar direitos

O movimento sindical da Fetiesc vai cobrar ação mais enérgica das Centrais Sindicais de trabalhadores em relação à luta contra a terceirização no Brasil. O primeiro passo será a realização de um debate com as secretarias regionais das Centrais, em Santa Catarina, seguido de pedido de audiência com os quatro deputados federais que integram a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara Federal: os titulares são Jorginho Mello(PSDB), Onofre Agostini(DEM) e Esperidião Amin(PP), e o suplente Décio Lima(PT). A Comissão é presidida pelo deputado Ricardo Berzoini(PT/SP). “Fala-se tanto em trabalho decente, mas na prática a terceirização é uma indecência contra a regulamentação das relações de trabalho no Brasil”, critica o presidente da Fetiesc, Idemar Antônio Martini, que coordenou o Seminário sobre Terceirização e Precarização nas Relações de Trabalho, realizado dia 29 de agosto, no Centro de Educação Sindical da Fetiesc, em Itapema, com participação de 60 dirigentes de sindicatos filiados à Federação. A palestrante do Seminário foi a economista Marilane Teixeira, que integra o Fórum Nacional em Defesa dos Trabalhadores Terceirizados, criado dia 17 de novembro de 2011.


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“Terceirização é o tema da agenda sindical, independente das posições políticas. Embora haja tratamento desigual em relação ao assunto, há setores que entendem que o fenômeno veio para ficar, e outros que sequer foram atingidos pelo problema”, avalia a pesquisadora, resgatando os anos 90, com a crise econômica, câmbio valorizado, juros elevados, abertura do mercado internacional como início da implantação do fenômeno da terceirização, no mundo. “Foi nesse contexto que se difundiu a ideia de que salários menores e redução dos direitos sociais eram soluções para enfrentar o desemprego”, constata. Marilane ironiza a justificativa utilizada pelos defensores da terceirização: “Concordam que a forma de contratação é precária, mas dizem que é a única possibilidade da população mais vulnerável e excluída da sociedade ascender ao mercado de trabalho”.

O Fórum defende o Projeto de Lei elaborado pelas Centrais Sindicais e pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e que hoje está na Casa Civil da Presidência da República. “Só mesmo na pressão para que seja enviado à Câmara”, conclama Marilane Teixeira, lembrando que a presidenta Dilma não quer se envolver nesse assunto. “Havia expectativa sobre o novo ministro Brizola Neto, que prometeu enviar o Projeto das Centrais ao Congresso Nacional”, resgata. Entre outras definições, o Projeto “considera atividade-fim toda a produção da empresa, exige que o sindicato da categoria seja comunicado da contratação de terceiros com antecedência de 120 dias, apresentando motivos, serviços e atividades que pretende terceirizar, a quantidade de trabalhadores terceirizados e assuma a responsabilidade solidária pelos danos em caso de acidente de trabalho”. Além disso, o Projeto estende aos terceirizados os mesmos direitos da Convenção Coletiva de Trabalho assinada pelo sindicato preponderante. “São propostas para desestimular a terceirização”, resume Marilane.

Fenômeno mundial

A terceirização atinge os trabalhadores do mundo inteiro. Marilane Teixeira lembra que o aumento dos lucros, a mais-valia – “valor apropriado pelo capital, mas gerado pelo trabalho” – está na essência do capitalismo e que a terceirização faz parte do processo de acumulação, para sobrevivência do próprio sistema: “Está na origem da indústria, principalmente na Europa, e as facções de confecção são exemplos disso”. A palestrante cita o exemplo da Alemanha, um dos países mais desenvolvidos mundialmente, onde o número de trabalhadores terceirizados saltou de 100 mil para um milhão. “Na crise do capitalismo isso se acentua, porque é forma de contratação mais barata, o trabalhador é contratado via agência”, lembra.

Por que terceirizar?

O fenômeno da terceirização foi impulsionado nos anos 70, quando aconteceram mudanças profundas em âmbito internacional, com a primeira grande crise do capitalismo depois de 1929. “Foi mais leve, parte dela por conta do aumento do petróleo, custo de matéria-prima, uma crise dos países mais ricos em relação ao padrão de crescimento que existia na Europa, até-então”, relata a economista, trazendo a questão para o Brasil, quando a dívida externa atingiu os maiores patamares. “As empresas começam a especializar-se em setores da produção, desverticalizar, retirando da produção parte do processo de trabalho que era realizado ali dentro”. A estratégia ganhou espaço, as empresas viram na terceirização uma alternativa para serem competitivas.

No Brasil, a terceirização foi introduzida nos anos 80, especialmente no setor de Celulose e Papel. Formada na Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), em São Leopoldo(RS), Marilane lembra da antiga Borregaard, fábrica de celulose, poluidora, instalada às margens do Rio Guaíba, região metropolitana de Porto Alegre, e que foi fechada em 1973. “Os trabalhadores da área de plantio, da limpeza e vigilância eram terceirizados e reivindicavam os mesmos direitos dos demais”, conta a palestrante. Hoje a flexibilização dos direitos virou moda, “está nos setores de vigilância, alimentação, médico, dentista, manutenção, confecção, corte de madeira”, são exemplos citados pela palestrante, que faz questão de criticar o maior argumento usado pelos patrões, de que a terceirização é alternativa à especialização: “Não é trabalho especializado, o que movimenta a terceirização é a redução de custos”, critica. Os participantes do Seminário citaram o exemplo positivo da Klabin, no planalto serrana de SC, que reverteu o quadro de terceirização, devido à queda de qualidade dos serviços, “uma prova de que terceirização e especialização não combinam”, reforça Marilane.

No início da década de 90, no Brasil, os empregos terceirizados representavam 10%. “Ao final da década, do total dos postos gerados, 90% eram terceirizados, com salários equivalentes à metade do recebido pelo trabalhador formal, ou seja, a terceirização não diminuiu o desemprego, porque a taxa saltou de 8,7% para 19,3% em 10 anos. Por isso, a economista adverte que “só através do crescimento econômico é que se gera empregos, e não com a flexibilização de direitos”. Exemplos não faltam: entre 1995 e 2002 o Brasil gerou 5 milhões de empregos com carteira assinada, enquanto de 2003 até 2010, foram gerados 17 milhões e entre 2011 e 2015, mais 10 milhões de novos postos formais de trabalho. “Triplicou a geração de empregos, porque a economia cresceu, não porque precarizou o trabalho, terceirizou ou reduziu direitos”, reforça Marilane.

Estima-se, hoje, que os trabalhadores terceirizados chegam a 25,5% do mercado de trabalho – cerca de 10 milhões de trabalhadores. Levando-se em conta que parte considerável dos trabalhadores terceiros estão na informalidade, “esse número pode estar subestimado”, acrescenta a palestrante, lembrando que “há trabalhadores que estão há mais de 10 anos na terceirização”. O exemplo vem, inclusive, da empresa Petrobrás, uma das maiores do mundo e onde, para cada trabalhador efetivo, há quatro terceirizados, que vivem na ilusão eterna de que em algum momento serão efetivados. E outro dado gravíssimo: “90% dos acidentes fatais envolvem terceirizados”, constata Marilane, comparando a discrepância entre duas trabalhadoras (uma terceirizada e outra formalizada), na Petrobras: “O tempo de empresa era de seis anos, para a terceira, e de quatro anos, para a formal, salário é de R$ 1.300,00, para uma, e de R$ 2.800,00 para a outra, exercendo exatamente a mesma função; o auxílio refeição era de R$ 291,00 (em vale) para a empregada terceirizada e de R$ 600,00 (em dinheiro) para a formal; e até a Participação nos Lucros, no momento da pesquisa comparativa foi de R$ 17 mil para a formal, enquanto a terceira não tinha direito ao benefício”.

Condições de trabalho

A terceirização, regra geral, atinge as populações mais vulneráveis: mulheres, negros, jovens, migrantes, imigrantes, que sofrem com empecilhos à criação de identidade coletivas, de pertencimento, são considerados trabalhadores de segunda categoria. “A regulamentação das relações de trabalho se enfraquece porque fragiliza a organização coletiva, há uma pulverização”. Na área têxtil, em sua maioria formada por mulheres, existe um conjunto de empresas precárias que prestam serviços para grandes redes: “A etiqueta é colocada em outro local, para que o trabalhador desconheça a empresa-mãe, aquela que os contratou”, conta Marilane. Os próprios participantes do seminário promovido pela Fetiesc citaram setores atingidos pela terceirização: na Pesca – o chamado diarista, que manipula o pescado, limpa e embala o peixe -, nas companhias aéreas, na compensação de cheques do sistema financeiro, no setor eletricitário (“aqui, um dos mais nefastos, geralmente ex-funcionários, estimulados a sair da empresa para fazer a manutenção elétrica enquanto pessoa jurídica, uma atividade em que mais cresce a terceirização e com maior número de acidentes fatais”).

Remuneração menor

Os trabalhadores contratados formalmente ganham 27% mais do que os terceirizados. Marilane Teixeira mostra isso graficamente: enquanto o contratado recebe média de R$ 1.800,00, o terceirizado, mesmo com especialização, ganha R$ 1.300,00. Já a rotatividade no emprego é maior entre as prestadoras de serviços. De janeiro a agosto de 2011, a necessidade de mudar de emprego atingiu 22%, entre os trabalhadores formais, enquanto nas empresas terceirizadas, a rotatividade chegou a 45% do total de trabalhadores, ou seja, “são demitidos para serem contratados novamente por outra empresa prestadora de serviços”, ilustra a pesquisadora da PUC/SP. A jornada de trabalho do terceirizado é mais extensa: ele trabalha duas horas a mais do que a do trabalhador formal. Segundo o Dieese, em 2010 deixaram de ser criados 800 mil postos de trabalho, devido ao número de horas trabalhadas pelos terceirizados.

Formas de terceirização

Marilane Teixeira visualiza as formas de trabalho terceirizado, como na contratação de redes de fornecedores com produção independente, nas empresas especializadas de prestação de serviços de apoio, na alocação de trabalho temporário por meio de agências de emprego, na forma de pessoas jurídicas e/ou autônomas para atividades essenciais, nos trabalhos feitos a domicílio, nas cooperativas de trabalho e também através do deslocamento de parte da produção ou de setores para ex-empregados. Para driblar tudo isso, Marilane tem a receita: “Tudo o que está dentro da fábrica deve ser considerado atividade essencial, permanentemente necessária à empresa, todos os que estão ali fazem parte de uma categoria profissional e têm os mesmos direitos”, sintetiza.

Ordenamento jurídico

Não existe regulamentação específica sobre terceirização no Brasil, como acontece em diversos países. Marilane Teixeira cita o Enunciado 331 (dos anos 90), algumas leis que introduziram a relação trilateral legítimas, projetos e entendimentos jurisprudenciais incorporados às Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Relembra a Lei 6.019, de 1974, a chamada Lei do Trabalho Temporário, que introduziu mecanismos legais para que empresas enfrentem a competitividade da globalização do sistema. “Mas as empresas se oportunizaram disso para encontrar formas atípicas de contratação e reduzir custos”, atesta. Em 22 setembro de 1986, o TST introduziu o Enunciado 256, que prevê o Contrato de Prestação de Serviços, e diz: salvo nos casos de trabalho temporário e serviços de vigilância, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços.

Responsabilidade solidária ou subsidiária

Na década de 1990, devido à pressão patronal pela flexibilização do trabalho, o Enunciado 256 (a partir de 1993) e, depois, a Resolução 96, do TST (em 2000), levaram à aprovação da atual redação da Súmula 331, que estabelece: Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância, conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados a atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. “Na terceirização aqueles que realizam trabalho dentro da empresa possuem relação de subordinação direta, ou não?”, questiona Marilane.

Projetos de Lei

Em março de 1998, o Executivo apresentou Projeto de Lei 4302/98, que altera dispositivos da Lei 6.019, dispondo sobre o trabalho temporário na empresa de prestação de serviços a terceiros, legaliza a locação de mão de obra para todas as atividades, de qualquer natureza, por prazo indeterminado. Ainda, amplia a possibilidade de duração do contrato mesmo nas atividades-fim, para 180 dias consecutivos ou não, podendo ser prorrogado por até 90 dias, consecutivos ou não. “O prazo poderá também ser prorrogado mediante acordo com o Sindicato”, lembra Marilane, “o Projeto garante equivalência de salário, mas não dá direito a aviso prévio e multa de 40% sobre o FGTS, quando da rescisão do contrato, além de outros direitos e obrigações trabalhistas, fortalece a permissão da terceirização para atividades-fim e meio da empresa, não obriga o vínculo de emprego”.

Emenda Substitutiva

No Senado, foi apresentada Emenda Substitutiva ao Projeto de Lei, em 2003. Inicialmente em regime de urgência, o Projeto passou a ter tramitação normal e foi retirado da pauta pelo governo Lula (Mensagem 389/2003). Marilane lembra que os patrões vieram novamente à carga em 2004, quando o deputado Sandro Mabel (PMDB/GO) apresentou o Projeto de Lei 4330/2004, excluindo dispositivos que tratavam do trabalho temporário, focalizando na prestação de serviços de terceiros. “Este projeto institucionaliza a legítima precarização do trabalho”, adverte Marilane, “transforma a relação de emprego em comercial, portanto isenta qualquer responsabilidade com os direitos dos trabalhadores”. Para a integrante do Fórum em Defesa dos Terceirizados, o Projeto Mabel “visa ainda proteger as empresas frente ao grande número de processos trabalhistas, isenta empregadores de qualquer responsabilidade com os direitos trabalhistas e admite inclusive a ‘quarteirização de serviços’.

Resistência

Em 2011, o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT/RS) propôs a criação de uma comissão especial para discutir a terceirização, cujo relator é o deputado Roberto Santiago (PSD/SP), que é vice-presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores). A Comissão só aprova decisões se houver consenso, realizou três audiências públicas sobre o tema, entre os meses de junho e outubro. O deputado apresentou um Substitutivo ao PL 4330/2004 e que, no seu Artigo 1º, “regula o contrato de prestação de serviços e as relações de trabalho dele decorrentes e veda a intermediação de mão de obra”. O Substitutivo foi aprovado na Comissão Especial, por 17 votos favoráveis e dois votos contrários, e atualmente está na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, em caráter terminativo. “Se aprovado, nem vai para o senado e câmara”, adverte Marilane Teixeira.

Entre outras mudanças, o Projeto de Lei “mantém a responsabilidade subsidiária (ou seja, estendida à empresa prestadora), cria a figura de empresa especializada em prestação de serviços, prevê a terceirização de qualquer área da empresa, permite a contratação ou subcontratação dos trabalhadores, sem formar vínculo de emprego com o tomador (contratante), enfim, serve para tudo”, denuncia Marilane. O relator do Projeto Substitutivo é o deputado Artur Maia (PMDB-BA). Marilane Teixeira lembra que o deputado relator pode mudar o substitutivo e já procurou as Centrais Sindicais para debater o assunto. “Mas os representantes dos trabalhadores não permitem terceirizar atividades permanentemente necessárias, insistem na responsabilidade solidária (compartilhada entre a empresa prestadora e tomadora), querem direitos iguais e que predomine o Acordo mais favorável para o trabalhador”.

Outros projetos sobre Terceirização

O Projeto de Lei 1621/2007, de iniciativa do deputado Vicentinho (PT/SP), proíbe a terceirização na atividade-fim, definida como “conjunto de operações que guardam relação com a finalidade em torno do qual a empresa foi constituída, está estruturada e se organiza em termos de processo de trabalho e núcleo de negócios”. Além disso, relata a palestrante do Seminário, “a empresa que pretende terceirizar serviços deve informar os motivos, quais as áreas, a redução de custos pretendida, não poderá distinguir salário, jornada, benefícios, ritmo de trabalho, condições de saúde e segurança”. O PL 1621 também “proíbe a contratação com a finalidade de fornecer mão de obra, ressalvados o trabalho temporário, vigilância e asseio e conservação, conhecidos como “terceirização lícita”.

Por fim, a palestrante reforçou o momento delicado vivido pelos trabalhadores, em relação ao ataques aos seus direitos. “O Congresso Nacional é formado majoritariamente pela bancada empresarial, que aumentou a sua representação de 219 para 273 integrantes, entre os 513 no total, ou seja, 45% são empresários”. Por outro lado, lembra, “a bancada sindical passou de 61 (54 deputados e 07 senadores) para 68 (62 deputados e 06 senadores)”. Portanto, finaliza Marilane, “o Congresso é um ambiente adverso e hostil aos trabalhadores”.

Reforma trabalhista implícita

O presidente da Fetiesc, Idemar Antonio Martini, compara: “As centrais sindicais são nossos agentes políticos de intervenção, são o Congresso do movimento sindical. Se for aprovado o projeto que legitima a terceirização no Brasil, pelo texto atual, estará implícita na lei uma reforma trabalhista que atinge diretamente os direitos históricos conquistados pelos trabalhadores”. Martini cita ainda outros abusos contra a classe trabalhadora, como a manutenção do fator previdenciário, o contrato temporário e a forma de custeio do movimento sindical. Em 07 de outubro, Dia Nacional de Luta pelo Trabalho Decente, o Fórum em Defesa dos Trabalhadores Terceirizados deve realizar uma manifestação, no estado. “É preciso que esse tema adquira a importância do impacto negativo que ele traz”, adverte Marilane.

A vice-presidente da Fetiesc e do STI Vestuário de Jaraguá do Sul e Região, Rosane Sasse, uma das dirigentes especializadas no tema Terceirização, lembra que “aos poucos a terceirização entrou nos nossos municípios, em forma de facção de trabalho, e agora está batendo à porta, fazendo com que categorias diminuam, os sindicatos não têm como representar esses terceirizados e se enfraquecem”. Para Rosane, “terceirização nada mais é do que flexibilizar direitos, portanto, é preciso levar essa discussão para as nossas categorias”.

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