Fetiesc

Alternativa ao ineficaz e perverso fator

Considerando o intenso debate legislativo em torno do fator previdenciário (PL 3.299-A/2008), apresento meu ponto de vista sobre a ineficácia deste perverso dispositivo legal como elemento de equilíbrio atuarial do sistema previdenciário.

Sem entrar no mérito da proposta que está sendo gestada na Câmara dos Deputados, minha contribuição pretende ser no sentido de apontar elementos jurídicos e econômicos simples e passíveis de mudanças, mas com importante impacto financeiro para o sistema e que podem servir de contrapartida à aprovação de mudanças, sem, no entanto, representar injusta afronta aos segurados.

Os argumentos centrais para a criação do fator previdenciário em 1999, e para sua manutenção, basearam-se em dois pilares: o déficit da Previdência Social e o aumento da expectativa de vida humana.

Inicio apontando que o fator previdenciário não é a salvação da Previdência Social, e seu fim, por si só, não será a falência do sistema.

O fato é que passados doze anos desde sua criação, o fator previdenciário gerou uma economia aproximada de R$ 31 bilhões, segundo declarações na imprensa pelo Exmo. Ministro da Previdência. Porém, esta quantia, frente ao gasto total da Previdência Social com benefícios no mesmo período, que foi de R$ 2.391.961.627.000 (dois trilhões, trezentos e noventa e um bilhões, novecentos e sessenta e um milhões, seiscentos e vinte e sete mil reais), representa uma redução de apenas 1,29% nas despesas, dados do MPS.

E isto assim ocorre por quatro motivos básicos:

1) enquanto a Previdência Social dispõe de um rol de dez benefícios aos segurados, sendo eles: aposentadoria por invalidez, aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria especial, auxílio-doença, salário-família, salário-maternidade, auxílio-acidente, pensão por morte e auxílio-reclusão (Lei 8.213/91, art. 18), somente um destes benefícios tem seu valor reduzido pelo fator previdenciário. É que o fator previdenciário é aplicado apenas em duas espécies de benefícios, a aposentadoria por tempo de contribuição e a por idade, porém nesta última sua aplicação só ocorre se resultar em aumento da renda;

2) quando por conta da aplicação do fator previdenciário a renda da aposentadoria por tempo de contribuição fica abaixo do salário mínimo, e isso ocorre para muitos segurados que no período básico de cálculo têm salários-de-contribuição próximos de dois salários mínimos, o benefício é pago no valor de um salário mínimo por força Constitucional. A elevação do valor real do salário mínimo contribui bastante para este fenômeno e, inclusive, após a aposentadoria os novos aumentos reais do salário mínimo representam sutil recuperação do valor perdido pela aplicação do fator previdenciário;

3) quando o cálculo do fator previdenciário é maior que 1 (um) os segurados recebem benefícios com renda maior que suas médias contributivas, mesmo que tenham contribuído pelo valor mínimo;

4) o fator previdenciário tem sido um elemento de desestabilização do sistema previdenciário na medida em que muitos segurados pressionam o sistema para obter benefícios que não incidem o fator ou, mesmo no caso da aposentadoria por tempo de contribuição, insistem em estratégias para aumentar seus tempo de serviço para além dos 35 anos e assim diminuir os efeitos negativos do fator. Tal fato aumenta a demanda sobre a perícia técnica da autarquia.

Portanto, se déficit é realmente o problema da Previdência, o fator previdenciário não foi e nunca será a solução.

Em contrapartida a esta economia de 1,29% em dose anos, como é notório, o fator previdenciário tem gerado prejuízos nas aposentadorias por tempo de contribuição em média de 30%, sendo mais grave para as mulheres em especial as professoras. Tratando-se de média é sabido que para muitos segurados a redução da renda aproxima-se de 50%.

Sendo assim, o fator previdenciário representa verdadeiro flagelo para apenas um seguimento de segurados da Previdência, exatamente os aposentados por tempo de contribuição.

Aqui é oportuno ressaltar que o trabalhador e a trabalhadora que se aposentam por tempo de contribuição são inquestionavelmente os segurados que mais contribuem para a Previdência por ser a aposentadoria que mais tempo de contribuição requer, variando de 25 anos para a professora até 35 anos para o homem. De outro lado, para os demais benefícios o tempo de contribuição pode variar de zero a 25 anos. Sim, zero contribuição no caso da pensão por morte, do auxílio-reclusão, do salário-família, da invalidez acidentária e não acidentária em algumas hipóteses e do salário-maternidade para algumas categorias de segurados.

Feita esta análise e considerando tudo o mais que é apontado para a extinção ou modificação no fator previdenciário, restaria apontar que elemento justificaria uma contrapartida ao sistema sem impor injusto ônus aos segurados.

O fato a considerar é que o segurado antes de se aposentar ou entrar em gozo de qualquer outro benefício previdenciário usufrui de no máximo 92% de seus salários/rendimentos, pois a contribuição para a previdência varia de 8% a 11% para o trabalhador empregado e é de 20% para o contribuinte individual. Portanto, quando em atividade os segurados não dispõem de 100% de seus salários para custear seu modo de vida.

Ocorre que, com exceção das aposentadorias por tempo de contribuição, cujas rendas tem ficado muito abaixo das respectivas médias contributivas por causa do fator previdenciário, nos demais benefícios a situação é diferente ficando o valor da renda em 100% da média contributiva nas pensões e aposentadorias por invalidez e especial, 91% no caso do auxílio-doença e 50% no caso do auxílio-acidente, sendo este cumulativo com o salário. Como já se disse, há ainda hipóteses que por causa do fator previdenciário maior que 1 os segurados recebem renda acima de suas médias contributivas.

Por sua vez, as aposentadorias por tempo de contribuição representaram apenas 6,73% dos benefícios concedidos em 2011, sendo que em média 55,7% são de valor mínimo – dados de 2010, segundo o próprio Ministério da Previdência Social.

Portanto, com muita segurança, é possível afirmar que se fazendo ajustes no coeficiente de cálculo dos benefícios da Previdência Social de modo a compatibilizar a renda do trabalhador quando em atividade com a renda na inatividade, a Previdência obterá economia igual ou superior a que vem sendo gerada pelo fator previdenciário. Medida como esta não implicaria ofensa ao padrão econômico/financeiro do segurado antes e depois da aposentadoria e se coaduna perfeitamente com o princípio da solidariedade norteador da Previdência Social no Brasil.

Tal medida muito mais se justifica se considerarmos a possibilidade de mudança no cálculo da média contributiva dos benefícios, passando das 80% maiores contribuições para 70% maiores contribuições, já que isso representa aumento da média para nove das dez espécies de benefícios, ficando de fora apenas o salário-família. O fato é que, no bojo do movimento para acabar com a injustiça do fator previdenciário em uma espécie de benefício, se estará incrementando o valor final de praticamente todo o rol de benefícios da Previdência e cujos segurados sequer estão reclamando. Assim, adequar o coeficiente de cálculo dos benefícios para percentuais próximos ao que o segurado efetivamente recebe antes da inatividade, representaria ajuste no sistema e, também, uma forma de compensar possíveis distorções. Além de excelente contrapartida as alterações no fator previdenciário.

Por fim, é oportuno entender o trauma por parte dos segurados quanto ao coeficiente de cálculo dos benefícios ser menor que 100%. Isso se deve ao fato de que até a Lei 8.213/91 os benefícios eram calculados com base em média contributiva totalmente defasada e com coeficientes de cálculo que variavam de 60% (caso das pensões) até 95% (aposentadorias comum e especial) da média. Afinal a lei que estabeleceu estes critérios era de 1960 quando o efeito inflacionário não era significativo.

Porém, durante décadas, mesmo diante de altos índices de inflação, alguns benefícios continuaram tendo suas médias contributivas calculadas sem qualquer correção monetária e outros tinham apenas parte da inflação recomposta na média. Assim, não é necessário muito esforço entender o trauma de uma pensionista que recebia 60% de uma média contributiva sem qualquer correção monetária.

Deste modo o descontentamento com a cumulação destes dois fenômenos – média sem inflação e coeficiente de cálculo menor 100% – gerou enorme movimento reivindicatório que desaguou na CF/88 e na Lei 8.213/91, acabando por resultar na mudança dos dois parâmetros ao mesmo tempo, sem que fossem observados critérios técnicos e de proporcionalidade.

Com este breve arrazoado espero ter demonstrado que há folgada margem econômico/financeira para ajustar e minimizar o impacto negativo do fator previdenciário no cálculo das aposentadorias por tempo de contribuição, fazendo justiça com os segurados que mais contribuem para o sistema. Ao mesmo tempo aponto que o momento é oportuno para equacionar a questão do coeficiente de cálculo dos benefícios para patamar semelhante ao percentual do salário/renda que o segurado dispõe antes da inatividade, compensando eventuais perdas ao sistema com as novas mudanças em curso na Previdência Social.

(*) Matusalém dos Santos – Advogado, bacharel em ciências contábeis e direito, pós graduação em Direito Constitucional e Previdenciário e MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Assessor jurídico da Fetiesc e sindicatos de trabalhadores e associações de aposentados.

Comunicacao

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