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As manifestações e a política de “responsabilidade fiscal”

As manifestações e a política de “responsabilidade fiscal”

*José Álvaro de Lima Cardoso

O processo de manifestações que sacudiu o Brasil nas últimas semanas deverá ainda ter importantes e ricos desdobramentos, cujo alcance é muito difícil de prever. Independente dos rumos que os acontecimentos possam tomar daqui para a frente, não resta dúvidas que o referido processo acelerou o passo da história no Brasil. Muita análise ainda terá que ser aprofundada para entender melhor o sentido do movimento, que é bastante complexo, heterogêneo e multifacetado. Tendo começado por itens mais ligados ao transporte público, a partir de determinada altura as reivindicações tornaram-se difusas, genéricas, não havia uma lista de reivindicações, definida.

Apesar do uso eleitoral das mobilizações, no entanto, os protestos têm reivindicações legítimas, que extrapolaram a motivação inicial, a favor da revogação do aumento ou pela redução das passagens de ônibus. Como escreveu a filosofa Marilena Chauí a base objetiva do processo de manifestação está nas próprias características mais marcantes do crescimento urbano nos últimos anos, mais ou menos semelhantes no pais, caracterizado pela explosão do uso do automóvel individual e pela expulsão dos moradores mais pobres cada vez mais para as periferias.

O Governo Federal, visando sair da defensiva e dialogar com os movimentos apresentou à sociedade um conjunto de 5 pactos, através dos quais haveria como responder às reivindicações e avançar numa agenda política propositiva. Em reunião com governadores e prefeitos, a Presidente Dilma destacou cinco pontos que, no entender do governo federal, mereceriam um grande pacto nacional entre governos, congresso e sociedade: equilíbrio fiscal para combater a inflação, melhoria no transporte público, na saúde, na educação e a reforma política para combater a corrupção. A presidente destacou ações que já estão sendo realizadas nas áreas mencionadas, como os investimentos que já estão sendo feitos em metrôs, VLTs (espécie de metrô de superfície) e corredores de ônibus. Na área da saúde, a presidente mencionou as ações de curto, médio e longo prazo para suprir a demanda de médicos, como abertura de vagas em universidades de medicina e a convocação de profissionais estrangeiros para atuarem em áreas do Brasil onde existe déficit destes profissionais. Na área educacional a presidente citou a valorização do professor por parte do governo e o projeto aprovado no Congresso que destina 75% dos royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde.

Para complicar a situação, os protestos de junho coincidiram com fortes turbulências nos chamados “mercados emergentes”, com a volatilidade de algumas moedas, e queda drástica de várias bolsas de todo o mundo, especialmente nos países desenvolvidos. Talvez em função dos rumos que as manifestações estavam tomando naquele momento, somada à continuidade da piora da situação econômica mundial, o primeiro pacto proposto pela presidente Dilma tenha sido o da “responsabilidade fiscal”, para garantia da estabilidade da economia e controle da inflação. Ou seja, num contexto de crise mundial e manifestações políticas, e na esteira do debate que dominou o primeiro semestre do suposto “descontrole inflacionário” no Brasil, o governo foi induzido a destacar justamente o aspecto mais ortodoxo da política macroeconômica, a responsabilidade fiscal e o superávit primário. À exemplo do debate ocorrido nos meses anteriores sobre a conveniência ou não de aumentar a taxa Selic para combater a inflação, desta vez também o governo cedeu ao discurso hegemônico nos meios empresariais, que coloca a política de obtenção de superávit primário como uma espécie de tabu.

Por trás do debate sobre o superávit primário está a preocupação com a remuneração dos juros e o serviço da dívida pública. A defesa da responsabilidade fiscal e do equilíbrio orçamentário, da forma como é feita, esconde o interesse de que o pagamento dos rentistas não seja afetado, como ocorre com outras despesas, como gastos com pessoal e programas de transferências sociais. Mas o fato concreto é que, em doze meses (até mar/2013) o setor público brasileiro gastou R$ 217 bilhões em juros, R$ 20 bilhões a menos que no período anterior, pela redução da taxa básica, de 9,75% para 7,25%. Somente a economia com juros decorrente da redução da Selic equivale a quase o orçamento do Bolsa Família em 2013, de R$ 22 bilhões. As despesas com a dívida pública, ao contrário de outras, não sofre o controle sistemático da sociedade ou de órgãos públicos fiscalizadores.

*Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

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