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O POVO, O FUTEBOL E A POLÍTICA

O POVO, O FUTEBOL E A POLÍTICA

(*) Sabino Bussanello

“A juventude não é apolítica, ao contrário, tanto é que levou a política às ruas, mesmo sem ter consciência do seu significado” (João Pedro Stedile, líder do MST).

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Uma onda de protestos ganhou as ruas do país, em plena realização da Copa das Confederações – espécie de mini Copa do Mundo de futebol -, onde o Brasil sagrou-se tetracampeão.

As mobilizações que sacudiram o país, tinham três eixos principais: a) os aumentos abusivos dos transportes coletivos urbanos; b) as precárias condições de serviços públicos como saúde, educação e segurança; e c) e as denúncias reiteradas contra a corrupção envolvendo políticos, empreiteiras, governantes, CBF/FIFA, gastos com a Copa do Mundo e das Confederações, monopólios midiáticos etc.

Inicialmente as manifestações tomaram as ruas da capital paulista, e, em seguida, espraiaram-se por todo o país. Em São Paulo, os protestos foram encabeçados pelos jovens, estudandes e lideranças do Movimento pelo Passe Livre (MPL).

Ao caminharem pelas ruas, a maioria dos manifestantes gritavam palavras de ordem exigindo a diminuição nas passagens dos transportes coletivos urbanos, a melhoria dos serviços públicos, o combate a corrupção, a rejeição da PEC 37 e múltiplas outras reivindicações.

Em meio as passeatas, pequenos grupos aproveitavam-se para tumultuar, saquear e depredar o patrimônio público e privado. Tanto manifestantes quanto “vândalos” foram duramente reprimidos pela Polícia Militar, a mando do governador Geraldo Alkmin.

Os exageros cometidos pela Polícia Militar paulista e a falta de habilidade política do governador e do prefeito de São Paulo, contribuíram ainda mais, para elevar a combustão das manifestações pelo país. Em poucas horas, novas mobilizações engrossaram o caldo e ganharam as ruas de centenas de outras cidades brasileiras.

QUANDO A PRESSÃO POPULAR APERTA O PESCOÇO DOS POLÍTICOS

A repercussão das mobilizações e o clamor das ruas chegou a Capital Federal. Congressistas, governistas e até oposicionistas apressaram-se em aprovar medidas em prol do clamor popular. A Presidenta Dilma se adiantou e propôs um “Pacto Nacional” baseado em cinco pontos principais: i) a garantia da responsabilidade fiscal (controle da inflação); ii) uma Reforma Política, articulada através de um plebiscito; iii) aumento dos investimentos em saúde, com contratação de mais médicos (inclusive estrangeiros); iv) pacto pelo transporte e mobilidade urbana, com investimentos de R$ 50 bilhões e desoneração da PIS / Cofins sobre o óleo diesel; v) pacto pela educação, ao destinar 100% dos royalties do petróleo para esta área.

A Presidenta ouviu governadores, prefeitos, ministros do STF, centrais sindicais, lideranças populares e representantes do MPL.

Parlamentares trataram de votar matérias importantes que vinham se arrastando por muito tempo no Congresso Nacional. De pronto, rejeitaram a PEC 37 (que limitava os poderes do MP nas investigações judiciais); em regime de urgência votaram o projeto de lei (Pl 5500/13) que tratava do repasse dos recursos dos royalties do petróleo, destinando 75% para a educação e 25% para a saúde.

No senado, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) aprovou também o PLC 310/09 que pode garantir até 20% de redução das passagens de ônibus urbanos com a desoneração fiscal de impostos incidentes sobre a cadeia do transporte público, cabendo aos Estados e Municípios a adesão ao programa de incentivo fiscal, uma vez que a União já irá desonerar o PIS/Cofins, os Estados a redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e os Municípios o ISS (Imposto Sobre Serviços). Isto representa uma grande mudança no sistema de transporte, já que a planilha de custos deverá ser aberta para que a população saiba como é feita a composição dos preços das passagens, além de poder visualizar a rentabilidadade e o lucro das empresas que operam tais serviços. Por sua vez, Ministros e líderes governistas, também, passaram a esclarecer determinados gastos e investimentos
públicos, principalmente, àqueles vinculados a Copa do Mundo e outras exigências esdrúxulas da FIFA/CBF…

Portanto, vimos que a pressão popular e o clamor das ruas produziu efeitos imediatos na agenda de políticos e governantes. Ao se mobilizar o povo e, em especial, a juventude, demonstraram sua indignação e insatisfação com certas questões que afetam a vida de milhões de brasileiros (transporte público, saúde, educação, segurança, comunicação, corrupção, monopólios, impunidades etc.).

Percebeu-se também que a sociedade civil está viva e disposta a lutar por seus direitos, independentemente de partidos e formas oficiais de representação política.

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Foto: Alvarélio Kurossu, RBS

A DEMOCRACIA PRODUZ SUAS CONTRADIÇÕES

Entretanto, nem tudo são “flores democráticas”. Existe algo esquisito e diferente no ar, pois, nem tudo o que vimos nas mobilizações é verdadeiro e real. Nem tudo representa o descontentamento de jovens e cidadãos, lutando contra a corrupção e por melhores resultados nas políticas públicas. Isto é uma parte da verdade, da realidade. Mas, nem tudo. Presenciamos, também, a empolgação de amplos setores da direita retrógada, oportunista e despolitizada, com um propósito bem claro que era de tumultuar, confundir e descaracterizar as reivindicações populares. Muitos, protestavam por protestar; outros, guiavam-se por impulso e marchavam, porque era “bacana” ou sinal de “patriotismo”.

É bom a Presidenta Dilma colocar as “caraminholas” prá pensar, agir e se comunicar. O que está em curso é uma grande articulação política, das elites conservadoras e entreguistas (de fora e de dentro do país), que farão de tudo para interceptar seu projeto de governança e desalojá-la do poder. Isto ficou muito claro nas vaias recebidas pela Presidenta, na abertura da Copa das Confederações, no Mané Garrincha, em Brasília; no caráter evasivo e oportunista de muitas manifestações Brasil afora; na cobertura completa e em tempo real dos protestos, realizada pelos meios de comunicação de massa do país, com matérias apelativas e sensacionalistas sempre direcionadas contra o governo federal; na campanha orquestrada pela mídia e pelos institutos de pesquisas no sentido de desgastar a imagem da Presidenta Dilma (fazendo um estardalhaço com as pesquisas ao mostrarem a queda de popularidade da Presidenta de 57% para 30%, DataFolha); na Marcha para Jesus, reunindo mais de 2 milhões de evangélicos, na capital paulista, onde pastores se revezavam nos discursos em prol de um “Brasil Melhor”, operando uma verdadeira lavagem cerebral em seus seguidores etc.

Todos estes componentes, aliados a forma burocrática da Presidenta governar, distante dos movimentos sociais e populares e da própria militância do Partido dos Trabalhadores, revelam uma teia complexa de situações e contradições. De um lado, acompanhamos jovens protestando contra o aumento nas passagens dos transportes coletivos e a baixa qualidade dos serviços de saúde, educação e segurança pública do país; de outro lado, vimos setores conservadores da burguesia, tentando levantar às bandeiras da moralidade e do combate a corrupção (PEC 37, saída do Renan do Senado, Fora Sarney, CPI dos gastos da Copa, corrupção como crime hediondo, e fim do Foro especial para os políticos); de um lado, percebemos jovens pintando a cara e marchando pacificamente com suas reivindicações em punho; de outro lado, assistimos grupos fascistas espumando ódio e esbravejando palavras de ordem como “Fora Dilma!” e abaixo-assinados pelo seu impeachment etc.

Porém, o dirigente do MST, João Pedro Stedile, alerta que, “felizmente essas bandeiras não tem nada a ver com as condições de vida das massas, ainda que elas possam ser manipuladas pela mídia. E objetivamente podem ser um tiro no pé. Afinal, é a burguesia brasileira, seus empresários e políticos que são os maiores corruptos e corruptores. Quem se apropriou dos gastos exagerados da Copa? A Rede Globo e as empreiteiras”, fulmina o líder dos Sem Terra.

MOBILIZAÇÃO POPULAR E GOVERNANÇA


O conjunto de mobilizações populares empreendidas pelo país, revelaram dois mecanismos interessantes. De um lado, a força incontestável da Democracia Real, ou seja, enquanto espaço do exercício da liberdade de expressão e de manifestação das massas populares; e, por outro lado, as dificuldades de governança de um país continental, complexo e mutiracial, como o Brasil. De antemão, não é fácil administrar um país com as profundas contradições de classes sociais. Onde poucos sempre tiveram tudo e a grande maioria nunca teve nada. Onde 70% da renda sempre esteve nas mãos de 20% das pessoas. Onde as classes políticas sempre governaram para as elites e voltadas de costas para o povo. Não resta dúvidas, que ainda há uma longa estrada à percorrer no sentido de superar os gargalos históricos de classe, de inclusão social, de infraestrutura e de crescimento do país. Porém, o modelo de desenvolvimento econômico adotado, no últimos anos, pelos governos dos Presidentes Lula e Dima, vieram alterando progressivamente a posição do Brasil no cenário nacional e internacional. Com muita competência estes governos conseguiram abrir o país para outros mercados mundiais (Mercosul, Tigres Asiáticos, BRIC’s), dinamizando a economia interna e atraindo fortes investimentos produtivos.

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Foto: Jornalista Rui Martins

 

Outro avanço importante, foi a estabilidade macroeconômica (controle da inflação, juros, câmbio). Assim, embora obtendo modestos índices de crescimento econômico, o Brasil veio conseguindo evitar contagiar-se com os efeitos nocivos na crise mundial, diferentemente do que vem ocorrendo em países da Europa desenvolvida. Dessa forma, com o tripé: estabilidade econômica, mercado interno e intercâmbios regionais o Brasil avançou e desenvolveu, em plena crise internacional. Os resultados práticos dessa política foram tão importantes que, nos últimos 10 anos, o país conseguiu gerar mais de 20 milhões de empregos formais, tirar cerca de 22 milhões de pessoas da pobreza extrema e elevar outros 40 milhões de brasileiros a classe média (significando, num curto espaço de tempo, a ascensão social de um país inteiro como a Argentina, por exemplo). Isto revela o acerto dos investimentos coordenados pelo Estado brasileiro como os recursos do PAC, das políticas públicas, os avanços e descobertas do pré-sal, os programas habitacionais (Minha Casa Minha Vida), o Prouni, as Cotas, as Universidades e Institutos Tecnológicos Federais criadas pelo Brasil afora.

“Mas ainda há muita coisa para fazer, e o que essas manifestações mostram é que é possível querer mais e querer melhor”, disse a Presidenta Dilma.

OS DESAFIOS DAS FORÇAS PROGRESSISTAS


Entretanto, quais são os desafios colocados para o governo petista e de coalização de centro-esquerda? Aqui vai alguns pitacos.

1. Necessidade de compreender a natureza política destas manifestações por todo o país. Em meu ponto de vista, há dois significados bem distintos: um positivo e outro negativo. O aspecto positivo reside na capacidade das massas populares se mobilizarem e lutarem por aquilo que acreditam e que lhes é de direito (serviços de qualidade como transporte, saúde, educação e segurança, além de cobrarem dos políticos o bom uso do dinheiro público). Quanto ao aspecto negativo, registra-se o caráter reacionário e conservador de grande parte das manifestações ocorridas pelo país. Que ninguém duvide da estratégia golpista capitaneada pela CIA/EUA, banqueiros, multinacionais, redes sociais, oposição nacional (PSDB, DEM, PPS), Rede Globo e representantes do Partido da Imprensa Golpista (PIG). Esta laia está sedenta e não vê a hora expulsar o governo petista e de centro-esquerda do comando do país.

2. É preciso rever o método de governar o país. Não dá prá ficar o tempo todo preso as “armadilhas burocráticas”, distantes do povo, cheio e discursos prontos e enfadonhos (verdadeiras “redomas oficialescas”). É hora de se comunicar diretamente com o povo; de acolher suas demandas concretas; de compreender as inquietações e os sonhos da juventude, principalmente, daqueles jovens que ainda não viveram períodos extremos de crise, de inflação alta, de desemprego em massa, de achatamento salarial, de repressão e de coerção das liberdades democráticas etc;

3. Realizar uma Reforma Urbana, que priorize o transporte público de massa. Que seja àgil, barato e de qualidade. Que combata a especulação imobiliária e resolva os problemas de mobilidade urbana, de trânsito, de circulação e acessibilidade das pessoas;

4. Pressionar o Congresso Nacional, para que o mesmo efetive a Reforma Política, melhorando o grau de representatividade democrática, a participação popular e o financiamento público de campanhas. A forma como funciona o sistema político brasileiro só elege aqueles que o poder econômico financia. Quem não tem estrutura, dança e fica no meio do caminho. É só olharmos as somas
vultosas gastas nas eleições municipais, estaduais e federais. Calcula-se que, para eleger um vereador (em cidades maiores), necessite-se de pelo menos R$ 1 milhão de reais e para eleger um deputado, a cifra não fica abaixo de R$ 10 milhões reais. Um absurdo. Portanto, é preciso mudar esta lógica perversa de fazer política, pois, ninguém aguenta mais tanto mercantilismo e fisiologismo político (de cargos, favores e negociatas com o dinheiro público);

5. Democratizar os Meios de Comunicação Social, permitindo ao povo pleno acesso as informações e proibindo todo e qualquer político de adquirir meios de comunicação particulares. Não dá mais para ficar alheio aos abusos deste monopólio aviltante, aonde apenas 7 famílias dominam e concentram as comunicações no país. O dia que quebrarmos estes monopólios e democratizarmos de fato a comunicação e a informação o Brasil será muito mais democrático e verdadeiro. Além do mais, é preciso limitar os gastos dos governos com publicidade e video-tape. Quanto mais maquiagem é produzida por agências de marketing e publicidade, mais a realidade se esconde e camufla a prática dos políticos incompetentes. Ou seja, aqui reside uma das maiores aversões do povo e dos jovens com relação a política: “quanto menos os políticos fazem, mais merchandising realizam”.

6. Viabilizar a Reforma Tributária, taxando as grandes fortunas, as exportações e as empresas que mandam prá fora seus polpudos lucros (ao invés de investir no desenvolvimento do país). Combater a sonegação e exigir prisão perpétua para quem sonega. Outra coisa importante, é diminuir o superávit primário e cortar os juros da dívida interna, que acabam drenando mais de R$ 200 bilhões de reais por ano, engordando as contas particulares de apenas 20 mil rentistas externos. É preciso deslocar estes recursos para os investimentos produtivos e sociais. Ou seja, a questão que se coloca é: os recursos públicos irão para a burguesia rentista ou para resolver os problemas do povo brasileiro?

7. Colocar na pauta nacional itens estratégicos de interesse do conjunto das classes trabalhadoras como: a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais; o fim do fator previdenciário; 10% do PIB para saúde e educação; a diminuição das mortes e acidentes de trabalho; o confisco das propriedades que mantém trabalho escravo; a expropriação dos bens dos políticos e empresários corruptos (de todos os níveis e partidos); botar na prisão os “doadores” do patrimônio público sem autorização expressa da sociedade brasileira etc;

8. É preciso cercar a expansão do latifúndio e do agronegócio, através da realização de uma verdadeira Reforma Agrária, com distribuição de terras às famílias que querem produzir (decretando a falência do latifúndio improdutivo). As terras distribuídas devem priorizar a produção de alimentos para o povo, permintindo aos trabalhadores assentados, o acesso a recursos financeiros baratos, com infraestrutura e assistência técnica facilitadas. As famílias assentadas precisam do apoio do Estado para viabilizar todas as condições de produção, comercialização e transformação de seus produtos, agregando renda e valor aos mesmos (diminuindo, assim, a incidencia de atravessadores no processo de comercialização). É um absurdo, em pleno Século XXI, encontrarmos quase metade das terras brasileiras concentradas nas mãos de 1% de grandes proprietários e latifundiários. Não podemos mais conviver e aceitar que o arcaico sistema de Capitanias Hereditárias, continue predominando no campo brasileiro.

9. Aproveitar as manifestações e mobilizações populares para explicitar quem são os verdadeiros inimigos do povo (banqueiros especuladores, rentistas, empresas transnacionais, grandes latifundiários, empresários sonegadores e corruptos, representantes do agronegócio etc).

Portanto, estes são alguns dos desafios colocados para as forças progressistas e de esquerda. Mas sem dúvida, o povo nas ruas vitamina a democracia e eleva os direitos de cidadania, muito além das vitórias futebolísticas.
(*) Professor e Assessor da Fetiesc; ex-prefeito de Itapema/SC, 2006 a 2012.

Itapema, 10 de julho de 2013

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