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O desafio da superação do Subdesenvolvimento

(*) Opinião – O desafio da superação do Subdesenvolvimento

Entendendo o desenvolvimento como um processo de mudanças na estrutura
social capaz de fazer com que as potencialidades humanas – não apenas voltadas para a
produção material, mas também na sua dimensão cultural -, possam ser expandidas em
uma dada região, o que impede o desenvolvimento de regiões subdesenvolvidas?

A observação histórica evidencia que o desenvolvimento atingiu os países que
mais rapidamente desenvolveram suas indústrias. A industrialização nestes países
ocorreu por descobertas científicas, pelo progresso técnico aplicado à expansão da
produção e a racionalidade da acumulação de riquezas. Diz-se que o primeiro estágio de
industrialização nestes países se realizou com forte acumulação de capital e
concentração de riquezas.

Em oposição a esta concentração de riquezas em posse dos proprietários,
emergiram nestas sociedades organizações da classe trabalhadora (associações,
sindicatos) que lutaram pela igualdade de direitos, e contribuíram de forma determinante
para o aprimoramento das instituições do Estado e pela redução das desigualdades.

Essa dinâmica de conflito entre estas classes sociais foi, neste sentido, determinante
para as reformas que permitiram o desenvolvimento em algumas regiões.

Outras regiões, no entanto, com industrialização tardia, não atingiram o mesmo
grau de desenvolvimento. Isso ocorreu porque nestas sociedades o processo de
industrialização ocorreu não pelo lado da oferta, com descobertas científicas próprias e
progresso tecnológico, mas pelo lado da demanda, absorvendo tecnologias
desenvolvidas no exterior, o que caracteriza uma situação de dependência. Esta situação
aprofunda-se porque as tecnologias disponíveis nas regiões de industrialização tardia
são obsoletas.

Assim, a industrialização nestas regiões não contribuiu com a mesma intensidade
para o desenvolvimento destas sociedades. Não houve, nestas regiões, estímulos para o
avanço de descobertas científicas e progresso tecnológico associados à expansão das
potencialidades humanas (desenvolvimento), mas manteve-se o processo de
acumulação de riqueza, na forma patrimonial. Ou seja, a renda concentrada nas mãos
dos proprietários, em maior medida, não gerou poupança, nem investimentos para o
progresso da indústria nestas regiões e o consequente desenvolvimento da sociedade,
mas foi absorvida pelo consumo das elites locais, com hábitos e estilos de vida
influenciados pelas elites de países desenvolvidos.

Como a renda concentrada pelas elites, gerada no processo produtivo da indústria
que emergia, era deslocada para o exterior via consumo de produtos ou aquisição de
equipamentos e na região via aquisição de terras e ampliação de influência social e
poder político, não houve o desenvolvimento cultural necessário para que a classe
trabalhadora alcançasse um grau de organização suficientemente forte para influenciar
de forma determinante as instituições do Estado, a fim de diminuir as desigualdades.

Então, em regiões subdesenvolvidas coube ao Estado, de forma paternalista,
instituir direitos aos trabalhadores, a fim de provocar mudanças na estrutura social e
estabelecer perspectivas para o desenvolvimento. No entanto, nestas condições, a
ampliação dos direitos dos trabalhadores não ocorreu ameaçando os privilégios da
classe proprietária (elite). Ou seja, há um processo cujo princípio do governo é “limitar a
pobreza sem limitar a riqueza1”.

Por não contar com poupança ou suficiente investimento privado dos capitalistas
locais, os Estados destas regiões subdesenvolvidas endividaram-se com capitais
externos para realizar investimentos de infraestrutura, a fim de promover a
industrialização e a competitividade da indústria local. No entanto, por não haver esta
sociedade se desenvolvido a fim de estabelecer descobertas científicas e desenvolver
tecnologia própria, estes recursos acabaram concentrados em posse dos proprietários,
retornando para o exterior. Neste ciclo, estas regiões subdesenvolvidas aprofundam sua
dependência tecnológica, assim como política, devido ao endividamento externo do
Estado. No plano interno, estas sociedades ficam marcadas pela forte concentração de
renda.

Retomando a questão inicial do texto: como romper este ciclo de dependência e
superar o subdesenvolvimento?

Pela observação histórica, parece ser possível afirmar que, em regiões
subdesenvolvidas, a intervenção dos governos para reduzir as desigualdades e promover
as mudanças na estrutura social com a perspectiva de promover o desenvolvimento, por
mais que seja louvável, demonstra ter limites. Isto acontece porque o esforço do governo
para alcançar a redução das desigualdades ocorre apenas dentro da classe trabalhadora
(“limitar a pobreza sem limitar a riqueza”). Ou seja, o esforço é mais sentido na redução
da desigualdade de renda medida pelo Índice de Gini, do que pela distribuição funcional
de rendas.

Para reduzir a desigualdade de renda e oportunidades é preciso desconcentrar a
renda do trabalho a favor dos grupos marginalizados. Ou seja, são necessárias políticas
de inclusão dos negros, das mulheres e outros grupos marginalizados no mercado de
trabalho e sociedade, ampliando ou fazendo valer seus direitos, permitindo que ocupem
empregos melhor remunerados. A ampliação de poder destes grupos, parece causar
rechaços, para não dizer movimentos extremistas contra estes grupos sociais, dentro da
1 “Não deixaremos jamais de repetir: pensar, antes de tudo, na multidão de deserdados e sofredores, darlhes
consolo, ar, luz, amor; alargar-lhes o mais possível o horizonte, prodigar-lhes educação sob todas as
formas, oferecer-lhes o exemplo do trabalho, jamais o exemplo da ociosidade, diminuir o peso do fardo
individual aumentando a noção da meta universal, limitar a pobreza sem limitar a riqueza, criar vastos
campos de atividade pública e popular, como Briareu, cem mãos para estender, em todas as direções, aos
fracos e abatidos, usar o poder coletivo no grande dever de abrir oficinas para todos os braços, escolas
para todas as aptidões, laboratórios para todas as inteligências, aumentar o salário, diminuir a pena,
contrabalançar o haver e o dever, isto é, proporcionar o usufruto ao esforço e a satisfação à necessidade,
numa palavra, fazer de tal modo que o organismo social desenvolva mais luz e claridade em proveito dos
infelizes e ignorantes; mais claridade e bem-estar – que as almas simpáticas não o esqueçam – é a primeira
das obrigações fraternais; e que os corações egoístas aprendam que está aí a primeira das necessidades
políticas.” (Vitor Hugo, trecho de Os miseráveis)
própria classe trabalhadora. Ou seja, parece que o atraso cultural destas sociedades
tende a interromper o processo de redução de desigualdades, gerando movimentos de
“restauração conservadora” que pode assumir caráter violento, inclusive.

O movimento de restauração conservadora pode surgir através de golpes e
ditaduras militares ou por vias democráticas. No primeiro caso, tendem a ser
patrocinados por regiões desenvolvidas que tem objetivos óbvios de manter o poder
sobre estas regiões subdesenvolvidas. Mas de qualquer forma, este movimento sempre
conta com o apoio do povo destas sociedades subdesenvolvidas que, diante da
percepção de mudanças na estrutura social, tendem a manifestar-se de forma
preconceituosa contra “comunistas”, negros, mulheres, imigrantes e migrantes,
homossexuais, entre outros grupos sociais que ampliam seus direitos legais e de fato
num processo de redução de desigualdades. Não se ignora que estas mesmas
manifestações ocorram também em regiões desenvolvidas.

Então, parece não bastar ao governo que orienta a região ao desenvolvimento
guiar-se pelo princípio “limitar a pobreza sem limitar a riqueza” e também parece ser um
esforço inútil que o Estado invista em infraestrutura, se o incremento de produtividade e
renda resultante destes investimentos ficar concentrado no topo da pirâmide social,
limitando o progresso e o desenvolvimento. Tampouco basta estabelecer políticas de
redistribuição do excedente social para a base da pirâmide. Parece que todas estas
políticas farão sentido para a superação do subdesenvolvimento e da situação de
dependência de tal sociedade apenas se forem acompanhadas por uma “reforma
cultural”.

A reforma cultural necessariamente passa por intervenção do Estado nas regras e
modelos de concessão dos meios de comunicação de massa, além dos investimentos no
sistema de educação. São os meios de comunicação de massa que criam os hábitos
culturais e o quadro cognitivo (“visão de mundo”) das pessoas de uma sociedade.
Caberia estabelecer regras, por exemplo, para que as concessionárias incluam em sua
programação programas de interesse público que estejam alinhados com as estratégias
de industrialização e desenvolvimento do país, além de democratizar as concessões para
ampliar as possibilidades de escolha da população.

Então, superar a dependência e o subdesenvolvimento segue sendo um grande
desafio para inúmeras regiões, inclusive o Brasil.
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(*) Mairon Edegar Brandes, economista, técnico do Dieese na Subseção da Fetiesc.

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