Fetiesc

AS CONQUISTAS HISTÓRICAS DO MOVIDA

Sabino Bussanello[1]

O ato público realizado pelo Movida, no dia 25 de abril de 2013, em Criciúma, sul do estado, representou um marco na luta pela saúde, segurança e qualidade de vida da classe trabalhadora catarinense. Portando faixas, bandeiras e gritando palavras de ordem, milhares de pessoas caminharam pelas ruas da cidade protestando e denunciando as atrocidades sofridas no trabalho pelos trabalhadores e trabalhadoras mundo a fora, no Brasil e em Santa Catarina.

Segundo estimativas da OIT (Organização Internacional do Trabalho), acontecem anualmente cerca de 270 milhões de acidentes de trabalho no mundo (sendo que 2,3 milhões resultam em mortes), além de aproximadamente 160 milhões de casos de doenças ocupacionais, chegando a comprometer até 5% do PIB mundial.

No Brasil, 711.164 sofreram algum tipo de acidente de trabalho em 2011 (segundo dados do Ministério da Previdência Social). Isto representa um gasto anual do governo superior a 200 bilhões de reais.

Santa Catarina amarga a condição de ser o estado campeão em acidentes de trabalho. Somente em 2011 foram registrados 45.930 acidentes de trabalho. Pelos dados de 2010, de cada mil pessoas, 7,6 sofreram acidente de trabalho. Um índice alarmante se compararmos com outros estados mais industrializados da Federação como é o caso de São Paulo e Minas Gerais (vide anexos I e II).

Para impedir o avanço criminoso deste processo de mutilação em massa de seres humanos, será preciso muita luta e uma profunda mudança nas práticas produtivas e empresariais. Além do mais, será necessária uma atuação enérgica dos Organismos de Estado (Ministério da Previdência Social, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Regional do Trabalho, Delegacia Regional do Trabalho, entre outros), no sentido dos mesmos exercerem efetivamente a fiscalização e a punição das empresas infratoras e que colocam em risco a segurança e a saúde das pessoas que trabalham.

HISTÓRICO DE LUTAS

Desde os anos 2000, a Federação dos Trabalhadores nas Indústrias do Estado de Santa Catarina (FETIESC) e um pool de entidades sindicais[2] de trabalhadores catarinenses, vinham debatendo temas relacionados às doenças profissionais, os acidentes de trabalho e a saúde da classe trabalhadora catarinense. Anos depois, como resultado desses debates, foi criado o Movimento em Defesa da Vida, Saúde e Segurança da Classe Trabalhadora Catarinense (Movida). Inúmeras atividades de educação e mobilização foram realizadas, envolvendo representantes do movimento sindical, entidades de classe, governantes, parlamentares e membros do poder judiciário no intuito de sensibilizá-los à ação contra as epidemias de LER/DORT, stress, fadigas, depressões e acidentes de trabalho, que afetam e mutilam milhares de trabalhadores no estado.

PROJETOS DE LEIS

Na esfera legislativa, também houveram tentativas de regulamentação e prevenção das doenças e acidentes de trabalho através da aprovação de Projetos de Lei e Normas Regulamentadoras que pudessem estabelecer diretrizes de controle e monitoramento de riscos em setores produtivos penosos, perigosos e degradantes aos trabalhadores. Como exemplo deste avanço, podemos citar:

  • PL nº 4.347/1998, de autoria dos Deputados Federais Walter Pinheiro (PT/BA), Luciano Zica (PT/SP) e Milton Mendes de Oliveira (PT/SC), que estabelece diretrizes para uma política de prevenção e defesa dos trabalhadores (as) sobre as LER/DORT;
  • PL nº 2.369/2.003, de autoria do Deputado Federal Mauro Passos (PT/SC), que dispunha sobre o Assédio Moral e outras relações degradantes no trabalho;
  • PL nº 001/2003, de autoria do Deputado Roberto Gouveia (PT/SP), que regulamentava a Emenda Constitucional 29, sobre o Financiamento do Sistema de Saúde no Brasil – SUS;
  • Norma Regulamentadora 36 (NR 36), que estabelece os requisitos mínimos para a avaliação, controle e monitoramento dos riscos na indústria de abate e processamento de carnes e derivados (frigoríficos), instituídos em abril de 2013, pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

ENTREGA DE DOSSIÊS

Em agosto de 2005, centenas de trabalhadores engajados no Movida SC, participaram do seminário organizado pelo Movida Brasil, em Campinas – SP, aprovando a instalação de uma “CPI para apurar a conivência de médicos e peritos do INSS”. Em setembro do mesmo ano, o Movida SC participou de um Encontro realizado em Porto Alegre (RS) com o tema: “O INSS vai tremer”, onde mais de 900 participantes protestaram contra o descaso e a morosidade no atendimento pelo órgão federal.

Após aquele encontro, partimos, em comitiva, para Brasília e entregamos à autoridades públicas e ao Ministério da Saúde e Previdência Social um dossiê contendo um conjunto de denúncias contra a prática ilegal de médicos e peritos do INSS, em várias regiões do país.

A IMPORTÂNCIA DAS MOBILIZAÇÕES

Além destas ações, várias audiências e atos públicos já foram realizados pelo Movida no Estado de Santa Catarina. A título de exemplo, podemos elencar as seguintes atividades:

a)      2004: “Relembrar os mortos e lutar pela vida”! Audiência Pública na Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina (ALESC), em Florianópolis, envolvendo 600 pessoas;

b)     2005: Trabalhar para viver não para morrer”! Audiência Pública na ALESC – Florianópolis, envolvendo cerca de 1.200 pessoas, que em marcha cruzaram a ponte Pedro Ivo Salles;

c)      2006: “Humanização do trabalho, sim. Humilhação e mutilação, não”! Ato Público nas escadarias da Igreja Católica de Blumenau, no dia 28 de abril, envolvendo cerca de 1.000 pessoas;

d)      2007: “Enquanto patrões enriquecem, trabalhadores e trabalhadoras adoecem”! Ato Público em frente à sede da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC), em Florianópolis, onde os manifestantes “trajavam carlito” (Chaplin), com 600 pessoas;

e)      2008: “Campo e cidade na luta pela vida”! Ato Público, em Lages, com mais de 1.300 pessoas;

f)       2009: “O custo do crescimento econômico não pode ser a vida da classe trabalhadora”! Ato Público e panfletagem em Jaraguá do Sul;

g)      2010: “Marcha dos catarinenses pela vida e saúde da classe trabalhadora”! Ato Público na Praça Tancredo Neves, em Florianópolis, com cerca de 2.500 pessoas;

h)      2011: “Antes da riqueza e do lucro, a dignidade e o respeito à vida”! Manifestação das Entidades Sindicais com entrega de informativos nas ruas, praças e fábricas, em todo o Estado de Santa Catarina;

i)        2012: “Trabalhar para viver, não para morrer”! Audiência Pública na ALESC, em Florianópolis, com a participação de 800 pessoas;

j)        2013: “Trabalhar para viver, não para morrer”! Passeata pelas ruas de Criciúma, entregando Carta do Movida às entidades empresariais (ACIC e FIESC) e à Agência do INSS, culminando com Ato Público na Praça Nereu Ramos, com mais de 1.000 pessoas participantes.

NOVOS AVANÇOS IMPORTANTES

No ano de 2012, por força dos debates e das articulações políticas no parlamento (ALESC), foi criada a Frente Parlamentar em Defesa da Saúde do Trabalhador Catarinense, presidida pelo Deputado Estadual Neodi Saretta (PT), espraiando o debate sobre saúde do trabalhador em todas as regiões do estado.

Outro avanço estratégico, – na área da saúde e da prevenção de acidentes de trabalho -, foi a assinatura do Protocolo de Cooperação Técnica firmado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) e pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (Resolução Nº 96/CSJT, de 23 de março de 2012) com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o Ministério da Previdência Social (MPS), o Ministério da Saúde (MS) e a Advocacia Geral da União (UGU), integrando os Tribunais Regionais do Trabalho e diversas instituições públicas e privadas, com a finalidade de conjugar esforços para a implementação de programas e ações voltados à prevenção de acidentes de trabalho e o fortalecimento da Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho.

Além dos Protocolos de Intenções, foram criados os Comitês Interinstitucionais e Regionais, com o propósito de planejar e executar Boas Práticas e programas de Trabalho Seguro, voltados à prevenção de acidentes de trabalho e defesa da saúde do trabalhador.

Em resumo, nestes 10 anos de existência, o Movida mostrou-se um importante  instrumento de luta e de união das forças progressistas da sociedade em  defesa da saúde, segurança e qualidade de vida da classe trabalhadora. É inegável que nos últimos 10 anos, além de mudanças concretas, o Movida efetivamente contribuiu para o salto de consciência dos trabalhadores, autoridades e população em geral sobre a importância da prevenção dos acidentes e das doenças do trabalho.

Em outro momento, havia dito que nossas manifestações já tinham alcançado as diferentes regiões do estado de Santa Catarina e que, agora, precisávamos avançar em três dimensões: 1) incluir as questões de saúde e segurança do trabalho nas pautas e rodadas de negociação coletiva; 2) pressionar o Estado em seus três níveis, Judiciário, Legislativo e Executivo para viabilizar leis e medidas protetivas ao mundo do trabalho; e 3) mobilizar a sociedade para mudar o processo de produção do trabalho, melhorando e adequando os métodos e ritmos de produção as necessidades físicas, psicológicas e emocionais dos seres humanos no planeta.

A expressão proferida por Bertolt Brecht é lapidar neste sentido, quando o mesmo diz que devemos “temer menos a morte e mais a vida insuficiente”. O Movida batalha pela vida e pelo trabalho decente.

Itapema, 06 de maio de 2013

 


[1] É Mestre em Educação e Trabalho, Professor na Escola Sindical da Fetiesc e ex-prefeito de Itapema entre 2006 e 2012.

[2] Participaram da fundação do Movida: o Sindicato dos Eletricitários de Florianópolis – SINERGIA; Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações – SINTRATEL; União Internacional dos Trabalhadores da Alimentação, secção América Latina – UITA; parlamentares do Partido dos Trabalhadores (PT): Deputada Federal, Luci Choinaki, Deputado Federal Mauro Passos, Deputado Estadual, Francisco de Assis e Deputado Estadual, Dionei da Silva; Associações de LER de Blumenau e Jaraguá do Sul (APLERs).


Anexo 1
Ranking estadual de acidentes de trabalho por população (mil pessoas) – 2010.

UF

Acidente de trabalho

(Qtde)

População

(Qtde)

Acidentes por População

(mil pessoas)

Santa Catarina

47.754

6.248.436

7,64

São Paulo

244.714

41.262.199

5,93

Rio Grande do Sul

58.657

10.693.929

5,49

Paraná

52.075

10.444.526

4,99

Mato Grosso

13.454

3.035.122

4,43

Mato Grosso do Sul

10.102

2.449.024

4,12

Espírito Santo

13.730

3.514.952

3,91

Minas Gerais

75.407

19.597.330

3,85

Rondônia

5.375

1.562.409

3,44

10º Distrito Federal

8.430

2.570.160

3,28

11º Rio de Janeiro

48.365

15.989.929

3,02

12º Alagoas

9.308

3.120.494

2,98

13º Goiás

15.736

6.003.788

2,62

14º Amazonas

8.591

3.483.985

2,47

15º Pernambuco

20.285

8.796.448

2,31

16º Rio Grande do Norte

7.198

3.168.027

2,27

17º Bahia

24.567

14.016.906

1,75

18º Pará

11.607

7.581.051

1,53

19º Sergipe

3.158

2.068.017

1,53

20º Acre

1.114

733.559

1,52

21º Ceará

12.270

8.452.381

1,45

22º Tocantins

1.887

1.383.445

1,36

23º Paraíba

5.026

3.766.528

1,33

24º Roraima

518

450.479

1,15

25º Piauí

3.337

3.118.360

1,07

26º Amapá

673

669.526

1,01

27º Maranhão

6.136

6.574.789

0,93

Fonte: Ministério da Previdência Social; IBGE. (Elaboração: Dieese – Subseção na Fetiesc).

 

Anexo 2

Ranking estadual de acidentes de trabalho por motivo/situação – 2011.

UF

Típico¹

Trajeto²

Doença do Trabalho³

Sem CAT*

Total

São Paulo

158.299

39.043

5.459

44.876

247.677

Minas Gerais

46.258

9.076

1.382

20.423

77.139

Rio Grande do Sul

32.931

6.400

1.293

16.729

57.353

Paraná

32.810

6.955

503

9.778

50.046

Rio de Janeiro

30.758

8.014

1.806

8.088

48.666

Santa Catarina

21.279

5.420

543

18.688

45.930

Bahia

11.219

2.403

605

9.370

23.597

Pernambuco

10.045

2.740

807

6.898

20.490

Goiás

10.066

3.198

191

2.071

15.526

10º

Espírito Santo

9.366

2.296

191

1.807

13.660

11º

Mato Grosso

7.973

1.633

150

3.681

13.437

12º

Ceará

5.693

2.276

230

4.057

12.256

13º

Pará

7.317

1.245

148

2.669

11.379

14º

Mato Grosso do Sul

6.155

1.601

243

2.620

10.619

15º

Alagoas

5.644

689

152

3.153

9.638

16º

Amazonas

5.604

1.038

367

2.359

9.368

17º

Distrito Federal

4.692

1.429

245

1.936

8.302

18º

Rio Grande do Norte

3.632

1.067

237

2.406

7.342

19º

Maranhão

2.838

770

86

2.558

6.252

20º

Rondônia

3.466

756

139

1.526

5.887

21º

Paraíba

2.160

619

132

2.199

5.110

22º

Sergipe

2.107

502

74

872

3.555

23º

Piauí

867

339

46

2.233

3.485

24º

Tocantins

847

265

18

721

1.851

25º

Acre

419

175

14

548

1.156

26º

Amapá

480

145

12

179

816

27º

Roraima

242

136

10

239

627

Brasil

423.167

100.230

15.083

172.684

711.164

Fonte: Ministério da Previdência Social. (Elaboração: Dieese – Subseção na Fetiesc).

 

Notas:

(1) Acidentes Típicos – são os acidentes decorrentes da característica da atividade profissional desempenhada pelo segurado acidentado.

(2) Acidentes de Trajeto – são os acidentes ocorridos no trajeto entre a residência e o local de trabalho do segurado e vice-versa.

(3) Doença do trabalho – são as doenças profissionais, aquelas produzidas ou desencadeadas pelo exercício do trabalho peculiar a determinado ramo de atividade conforme disposto no Anexo II do Regulamento da Previdência Social – RPS, aprovado pelo Decreto no 3.048, de 6 de maio de 1999; e as doenças do trabalho, aquelas adquiridas ou desencadeadas em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente.

(*) Acidentes Sem CAT Registrada – correspondem ao número de acidentes cuja Comunicação de Acidentes do Trabalho – CAT não foi registrada no INSS. O acidente é identificado por meio de um dos possíveis nexos: Nexo Técnico Profissional/Trabalho, Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP ou Nexo Técnico por Doença Equiparada a Acidente do Trabalho. Esta identificação é feita pela nova forma de concessão de benefícios acidentários.

movida-13-05-2013

Comunicacao

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