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O debate sobre a inflação e sua superação no Brasil

As pressões inflacionárias da economia brasileira no primeiro trimestre tem causado grande repercussão na mídia do país. Evidencia-se, no entanto, que o conteúdo veiculado está pouco relacionado aos resultados de estudos técnicos de entidades que tenham  credibilidade. São divulgadas, na maior parte dos casos, opiniões de livres pensadores ou de analistas vinculados a grandes bancos, corretoras de investimentos ou mesmo comprometidos com setores do governo. De modo que o debate que visa esclarecer as causas da inflação e melhores formas de combatê-la está, no mais das vezes, relacionado a interesses políticos de grupos sociais distintos do que propriamente fundamentado por questões econômicas.

A apropriação política dos debates de fundamentos econômicos é normal por alguns motivos. A economia não está isolada da sociedade e das relações políticas, mas está incrustada e forma sua estrutura social. Num momento em que no país iniciam-se as movimentações para a sucessão presidencial os indicadores macroeconômicos são utilizados para sinalizar fragilidades ou fortalezas desse ou daquele governo. O próprio cenário econômico mundial estimula o debate ideológico por trás dos diagnósticos e resultados atingidos pela adoção de diferentes políticas econômicas nos principais países. Pelo grau de complexidade, a realidade demanda mais uma quebra de paradigmas na teoria econômica, o surgimento de um(a) pensador(a) para o início do século 21 a exemplo do que foi Keynes para o século 20. A apropriação política do debate econômico também se dá pela complexidade de abordá-lo do ponto de vista técnico pela multiplicidade de fatores que o determina.

No Brasil, para um cidadão que costuma ler jornais parece que o tomate é a causa da inflação. Alguns comentam: não é somente o tomate, mas a farinha de trigo também. No entanto, identificar as causas reais da inflação é tarefa mais difícil. Quanto ao debate sobre ações para superar as pressões inflacionárias, em grande medida, este concentra-se na utilização do instrumento de política monetária mais famoso, a taxa de juros que remunera os títulos da dívida pública, a Selic. Seu uso se justifica muitas vezes apenas por “atender expectativas” e “despertar confiança” nos mercados. Trata-se, portanto, de lidar com o problema de forma conservadora.

Analisando o resultado das contas nacionais em 2012, parece possível evidenciar alguns fatores que podem explicar o fundamento do problema da inflação no Brasil. Alguns analistas defendem que seja uma inflação de demanda. Ou seja, a elevação dos preços seria consequência do crescimento da demanda efetiva, impulsionado pelo aumento real de salários e pela baixa taxa de desemprego. Não parece ser uma afirmação sensata para quem está realmente preocupado com o problema da inflação e com a economia brasileira. De fato, o consumo das famílias e do governo cresceram em 2012 na casa dos 3%. Mas a formação bruta de capital fixo (FBCF) caiu 4%, a produção industrial e agropecuária também tiveram queda, de modo que o crescimento do PIB foi de apenas 0,9%. Pode-se dizer que, o consumo das famílias e do governo foi o que sustentou o (baixo) nível de atividade econômica e antes de serem a causa do nosso problema inflacionário são o principal ativo da nossa economia.

Então, parece que as pressões inflacionárias da economia brasileira são resultado de deficiências do lado da oferta. O grupo de itens de alimentos é o que vem apresentando maior peso de participação nas altas inflacionárias. Comumente, a causa declarada desse comportamento dos preços de alimentos são os problemas com as safras, os “choques de oferta” em função de condições climáticas ruins na América do Norte (origem de boa parte da produção de grãos mundial) e em algumas regiões do Brasil, especialmente a região Nordeste, que sofre sua maior seca dos últimos 50 anos. A limitada oferta elevaria o preço desses produtos (commodities) que impacta os preços de diferentes produtos industrializados, elevando os custos da indústria de alimentos e, em última análise, dos consumidores.

Apesar da relevância da questão climática, a elevação dos preços das commodities parece estar mais relacionado a estrutura oligopólica do mercado de grãos e sementes e a fragilidade do Estado diante dessa estrutura. As poucas corporações que controlam o mercado de grãos e sementes mundial encontraram “solo fértil” no Brasil a partir de 1970 com o apoio do Estado no processo de modernização conservadora de nossa agricultura. Nas décadas seguintes, articuladas com as instituições financeiras globais que passaram a atuar no país, iniciaram um processo de fusões e aquisições que, atualmente, mantêm o Estado e sua política econômica como refém. Assim, a elevação dos preços de alimentos é ruim para o governo, para as famílias e para a indústria nacional, mas é bom para esses conglomerados que controlam a oferta. A elevação da taxa de juros (Selic) em nada atrapalha os negócios desses aglomerados, já que aliados com as principais instituições financeiras mantêm dezenas de milhares de agricultores endividados, o que com a elevação dos juros faz ampliar suas receitas financeiras.

Então, por que elevar a taxa Selic? Para atender as expectativas desses mercados oligopolizados. A queda de 4% nos investimentos em 2012, quando a Selic estava no menor patamar da história – menos de 2% ao ano em termos reais -, demonstra que a decisão sobre investimentos do empresário brasileiro não se limita a Selic. Retração da demanda externa, atraso no aparato institucional do Estado, deficiências na infraestrutura – precariedade de portos e rodovias, o que eleva os custos com logística e limita a competitividade -, entre outros, tudo isso parece determinar as decisões de investimentos dos empresários. Essas deficiências estruturais precisariam ser superadas para que a economia brasileira tenha maior capacidade de oferta de produtos, com ampliação das exportações.

Com isso, admite-se que a questão da inflação no Brasil não é resultado de um “descontrole” cujo responsável é o governo. Mesmo que se identifique certa flexibilização no tripé econômico, composto por meta de superávit primário, câmbio flutuante e meta de inflação, a situação macroeconômica brasileira é bastante razoável.

Ademais, o tripé de política econômica praticado no Brasil não pode ser visto como um dogma que não possa ser questionado. É bom lembrar, por exemplo, que a política de superávit primário (um dos pés do tripé) veio como uma imposição do Fundo Monetário Internacional (FMI) numa das vezes em que o Brasil teve que recorrer ao organismo internacional. No fundo, o país teria que perseguir o superávit operacional, que faz muito mais sentido do ponto de vista sustentável das finanças públicas. A política de metas inflacionárias da mesma forma não pode ser vista como imposição “divina” que não possa ser debatida. Essa política, inclusive, tem sido bastante questionada nos países centrais, dentre outras coisas pela ineficiência no enfrentamento da crise que se estende desde 2008.

As medidas macroprudenciais na política fiscal e a política monetária são de reconhecida competência. Os indicadores conjunturais não são ruins. A própria inflação superou o teto da meta (12 meses) no mês de março em apenas 0,09 pontos percentuais. Aliás, o Brasil deverá cumprir em 2013, pelo décimo ano seguido, a meta de inflação. Sabe-se ainda que, embora com menor participação no índice geral, alguns grupos de itens como educação, preços administrados e despesas pessoais com viagens e entre outros, tem efeito sazonal no primeiro trimestre. Então, os problemas da economia brasileira não são conjunturais. Assim, a superação desses problemas não acontecerão com medidas de curto prazo. No curto prazo, o Estado continuará atendendo as “expectativas” do mercado. Os problemas da economia brasileira são históricos e estruturais, somente com reformas mais profundas poderão ser superados. Será que se as Reformas de Base tivessem sido conduzidas ao fim na década de 1960, não viveríamos num país menos dependente do ponto de vista econômico e político? Parece que viemos pagando o preço.

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