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Opinião: A proposta de Reforma da Previdência e o regresso à Teoria do Bolo

Por Mairon Edegar Brandes | Economista da subseção do Dieese na Fetiesc

Talvez dentre todas as medidas anunciadas e propostas de reforma em discussão atualmente, o principal debate nacional seja a previdência social. Este debate ganhou destaque no governo atual, em sua interinidade, orientado pela crise fiscal (déficit primário crescente) e a necessidade, fruto de um entendimento de economia política, de demonstrar ao mercado que o governo está disposto a adotar medidas impopulares para reequilibrar as finanças, pagar juros e interromper o crescimento da dívida. Isso poderia fazer com que as agências de avaliação de risco revisassem para melhor suas avaliações sobre a economia brasileira, abrindo espaço para diminuição dos juros, o que contribuiria para a retomada do crescimento econômico e, apesar da menor taxa de juros, oportunizaria o reingresso de investimentos em carteira.

Neste debate, não faltam analistas que defendam as medidas impopulares e no menor tempo possível, denunciando inclusive a demora do governo em encaminhar a proposta de reforma para apreciação do Congresso. Justificam que as regras atuais tornam a previdência social insustentável do ponto de vista econômico no médio e longo prazos, utilizando-se, inclusive, de argumentos referentes às transformações demográficas percebidas e projetadas para o Brasil.

Por outro lado, existe resistência do sindicalismo, de movimentos sociais e outras associações de trabalhadores. Estas forças sociais e políticas participam do debate também técnico, demonstrando preocupação com a sustentabilidade da previdência, mas sustentando que a reforma não pode desconsiderar os princípios constitucionais da previdência social, que compõe o Sistema de Seguridade Social. Para este grupo, mesmo as pressões das transformações demográficas sobre as políticas públicas precisam ser honestamente diagnosticadas, considerando suas relações sociais e econômicas, a fim de a reforma servir para corrigir injustiças e a histórica desigualdade característica da sociedade brasileira e não concentrar mais riqueza (sobre estas questões, ver a NT nº 160 do Dieese, divulgada em julho deste ano e disponível em www.dieese.org.br).

Como todo grande debate nacional, está claro que as discussões referentes à reforma da previdência abriga conflito de interesses e não há espaço para simplificações. Dependendo do desenho, a reforma à ser aprovada pelo Congresso tende a impactar profundamente a sociedade brasileira, seja para alcançar melhor grau de justiça social ou para gerar mais desigualdade social e concentração de renda. As defesas que o governo vêm adotando nas manifestações públicas acerca do tema, lembram as justificativas afirmadas pela equipe econômica do regime militar, que quando questionada sobre o processo de concentração de renda em curso e o aprofundamento da desigualdade, teria alegado a necessidade de primeiro fazer o bolo crescer, para depois distribuí-lo (a “teoria do bolo”).

O financiamento da previdência social precisa ser discutido, a sustentabilidade do sistema depende disso. Mas as medidas que impõem restrições ao acesso (direito) e ao valor do benefício, como defende o governo, precisam ser combatidas pelas famílias. A luta dos trabalhadores deve estar orientada para a ampliação e o aperfeiçoamento das políticas públicas, segundo as necessidades da população. A Constituição de 1988 incluiu os benefícios previdenciários (do Regime Geral da Previdência Social – RGPS, gerenciado pelo INSS), assistenciais e de saúde sob o abrigo do Sistema de Seguridade Social que têm financiamento mais amplo que as contribuições estritamente previdenciárias, que incidem sobre empresas, empregados e governo.

Problematizar o déficit decorrente de receitas e desembolsos estritamente da conta previdenciária é, portanto, uma distorção desonesta no debate, dado o princípio constitucional. Estudo da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) revela que o saldo do balanço da seguridade social tem sido superavitário nos últimos anos. Apesar disto, o debate sobre o balanço de receitas e despesas estritamente previdenciárias revela a necessidade de discussão sobre a incidência das contribuições previdenciárias, que acaba tendo caráter pró-cíclico (expansão da arrecadação nas fases de crescimento econômico e retração nas fases de crise). Neste debate, cabe destacar que as medidas em tramitação para flexibilizar a relação de emprego, num mercado de trabalho marcado pela informalidade e precarização do trabalho e emprego, impacta negativamente a arrecadação previdenciária, pressionando o sistema. Em 2014 haviam 54,8 milhões de contribuintes, em um conjunto populacional de 99,5 milhões de ocupados (Pnad/IBGE, 2014 in BEPS, maio/2016).

O desafio para os trabalhadores neste cenário sombrio em que estamos inseridos será assegurar a manutenção dos direitos trabalhistas (CLT) e sociais, previstos na Constituição de 1988. Em dezembro de 2015 foram emitidos 32,7 milhões de benefícios (28,3 milhões do RGPS e 4,4 milhões de benefício assistencial) com valor médio de R$ 1.000,90 (R$ 1.033,91 para o benefício do RGPS e de R$ 786,15 para o assistencial). Isso significa que 17% da população brasileira é diretamente protegida pela seguridade social. Se estendermos a importância dos benefícios para os familiares, pode-se dizer que, indiretamente, pelo menos metade da população brasileira está coberta pelo sistema de seguridade social.

O crescente desembolso com a previdência social está na mira do setor financeiro, porque este tem interesse em abocanhar fração maior do orçamento público. Deveria ser menos constrangedor, mais fácil para o governo, atacar o sistema da dívida, auditá-la, reestruturá-la e renegociá-la com os credores. Em 2015, o montante de benefícios do RGPS alcançou a cifra de R$ 438,2 bilhões (7,4% do PIB), segundo dados do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS). O pagamento de juros nominais pelo setor público, em 2015, corresponderam a 8,5% do PIB (R$ 501,8 bilhões), segundo o Banco Central do Brasil. Percebemos que, pela ordem vigente, atacar o direito dos cidadãos é mais seguro do que negociar com interesses de uma restrita e poderosa elite.

Imprensa Fetiesc

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